quarta-feira, 12 de abril de 2017

PRECISAMOS FALAR SOBRE: 13 REASONS WHY

Faça de conta que você tem novamente 16 anos de idade. Esqueça que você é formado em Psicologia ou Psiquiatria e que está nesse momento sentado sobre uma pilha de compêndios escritos muitas vezes por gente que domina a teoria mas está muito longe da prática e da convivência do objeto de seus estudos. Tente deixar de lado por um momento apenas a racionalidade analítica e cega. Tente lembrar que nem todo mundo que assiste a uma série de TV ou a um filme procura (ou até mesmo percebe) elementos de narrativa ou simbolismo que a sua experiência como espectador de décadas já localiza sem esforço. E principalmente, tente lembrar de como você se sentia na adolescência quando se olhava no espelho: se você não se sentia o dono do mundo - inatingível, incapaz de fracassar e irresistível aos olhos do sexo oposto - ou a pior pessoa a caminhar pelo planeta Terra - invisível, inadequada e vítima constante do deboche alheio - "13 reasons why" não foi feita para você. Sim, você pode assistí-la, comentá-la e até criticá-la - mas não é seu público-alvo e portanto, se alguém presta um desserviço à juventude que atravessa com dificuldade um dos momentos mais sensíveis da vida não são os produtores, roteiristas e diretores da série, e sim você.

É muito fácil (e conveniente) sair pela Internet vociferando condenações ao programa quando não se tem a noção do que é passar pelas situações vividas pela protagonista - ou não se lembra mais delas, ou acha que tudo é exagero ou drama desnecessário. Acusar de irresponsável um programa que trata com respeito de temas tão carentes de discussão na sociedade, como bullying, suicídio adolescente, machismo, abandono afetivo e a mais absoluta falta de empatia com as pessoas mais próximas soa, no mínimo, a vontade de chamar a atenção no embalo do sucesso e da repercussão da série. Dizer que ela romantiza o suicídio é uma falácia, assim como escorar-se nas recomendações das organizações que tratam do assunto: é difícil compreender que alguém possa achar romântico cortar os pulsos da maneira como mostrada na (forte mas necessária) cena que mostra o ato da personagem central, e qualquer psicólogo consciente sabe que discutir o assunto é imprescindível para que ele deixe de ser um perigoso tabu. Até mesmo o impressionante crescimento na procura de ajuda pelo CVV (Centro de Valorização da Vida) causado pela série é tratado com desprezo por vocês, detratores: "é o mínimo que se poderia esperar depois de uma campanha", bradam, provavelmente indignados com o fato de que, em apenas 13 episódios, o programa fez pela juventude o que 20 anos de "Malhação" nem chegou perto de fazer.

E é bizarro também notar a raiva que dedicam à série. Tudo é motivo para implicância, desde as atuações até o tom "juvenil demais". Mais uma vez é preciso lembrar um ponto essencial: o público-alvo de "13 reasons" não liga para coisas como roteiro, linguagem visual, metáforas e afins (ainda que, ouso dizer sem medo, tudo isso é muito bem feito em todos os episódios, ao contrário do que vocês afirmam): o que a audiência nota e sabe reconhecer é a mensagem que está diante de seus olhos. E diante de seus olhos está um retrato verdadeiro, dolorido, contundente e (por que não?) assustador de uma realidade com a qual eles lidam diariamente. A seu modo (com uma narrativa expandida em pílulas de tensão e suspense como uma boa série deve ser), o programa - baseado em um romance de Jay Asher publicado em 2007 - levanta um espelho para que a plateia consiga identificar-se e o mundo à sua volta. Se todos irão se reconhecer é outro papo, mas só em deixar explícito o que muita gente (educadores e familiares incluídos) prefere varrer para debaixo do tapete a série já merece aplausos. Se escolas não discutem o assunto, justamente um serviço de streaming, tão demonizado por certos setores da indústria do entretenimento, resolveu fazer: essa ousadia talvez tenha sido o gatilho de tanta revolta.


E por falar em gatilho: vocês afirmam, com uma certeza quase plena e absoluta, que os episódios finais, com seu tom de desesperança e tristeza, podem influenciar jovens em crise a cometerem suicídio. Ok, pessoas em depressão ou graves crises psicológicas realmente deveriam evitar o programa, mas por decisão de pais, professores e responsáveis e não por causa de seus conselhos - que ninguém pediu, aliás. Depressão é uma doença séria. Seríssima. Em casos extremos pode levar ao suicídio, sim. Mas, como afirmado, uma doença. Tratável, administrável e, dependendo da situação, curável. O que a série mostra, no entanto, não é um suicídio por depressão (ao menos não unicamente por causa dela): Hanna Baker, a protagonista, passa por uma série de situações que vão se acumulando até o nível do mais alto desespero, e até mesmo a mais saudável das criaturas talvez não aguentasse o rojão. Ela não tira a própria vida porque está doente - tudo vem em consequência de uma sucessão de acontecimentos que, banais ou grandiosos, destroem sua alma e sua esperança na vida. Considerar a decisão de Hanna como covardia ou drama sem necessidade é uma falta de respeito a todos aqueles que, por um motivo ou outro, não viram outra saída. Se vocês fazem parte desse time que acha que ela optou por um caminho mais fácil (se é que morrer da forma mostrada pode ser considerada algo fácil) então sinto informar-lhes que vocês provavelmente estariam nas fitas gravadas por ela. Falta de empatia e atenção com as pessoas à sua volta: esse é o verdadeiro e maioral tema da série caso não tenham percebido enquanto escreviam suas diatribes.

Já ouvi muitos casos de adolescentes que romperam a barreira com os pais a respeito dos temas propostos pelos roteiros: são jovens que finalmente perceberam que não estão sozinhos, que não estão jogados à própria sorte e que nunca é tarde para reverter atitudes e conceitos nocivos. Se isso é irresponsabilidade, então espero que muitas outras séries irresponsáveis surjam em breve, para que possamos discutir sem meias-palavras condutas odiosas como as mostradas no programa. E a vocês que insistem em chicotear "13 reasons why" porque ele teve a coragem de desnudar a aparente calma e tranquilidade da adolescência ao mostrar seu lado doentio e cruel, recomendo que desviem os olhos dos livros e façam o que ela pede: prestem atenção também ao que não está dito e explicado. Como já dizia Saint-Exupéry, "o essencial é invisível aos olhos". Não sejam uma razão! Não matem mais Hannahs Baker com sua falta de empatia. Vocês sobreviveram à adolescência. Deixem que outros também o façam.

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