sexta-feira, 14 de abril de 2017

FUNNY GIRL

No início dos anos 2000 não havia leitor antenado que não soubesse quem era Nick Hornby. Autor de romances bem-humorados que mesclavam personagens bem construídos com tramas repletas de referências pop contemporâneas, ele tornou-se um dos escritores mais cobiçados também pelos estúdios de cinema, que não demoraram para levar às telas, com sucesso, obras como "Alta fidelidade" (1999) e "Um grande garoto" (2002). Mudando de lado nesse processo cultural, ele passou também a adaptar livros alheios para versões cinematográficas - e chegou a ser indicado ao Oscar por "Educação" (2009). Seu livro mais recente, "Funny girl" (Ed. Companhia das Letras), ele volta seu olhar para o passado - mais precisamente a década de 60 - para prescrutar, com seu sarcasmo característico, os bastidores do entretenimento inglês no momento em que a contracultura e o movimento hippie começavam a transformar a sisuda cultura britânica. Apesar de não apresentar uma trama muito consistente, concentrando-se mais nos personagens do que na história, Hornby mais uma vez não decepciona: seu livro é, como sempre, uma leitura agradável e inteligente, para se ler com um sorriso nos lábios.

A protagonista do livro - uma personagem encantadora que poderia facilmente ter o rosto de Emma Stone em sua transposição para o cinema - é Barbara Parker, uma jovem ao mesmo tempo ambiciosa e ingênua que abandona sua cidade natal, no interior da Inglaterra, para tentar a sorte como atriz em Londres. Bela e talentosa, ela sonha em repetir os passos de seu maior ídolo, a comediante norte-americana Lucille Ball, e, como a sorte precisa estar no caminho dos principiantes, ela não demora a passar em um teste da BBC e ser escolhida como protagonista de uma sitcom chamada "Barbara (e Jim)" - com os parênteses no nome masculino como uma prova do tamanho de seu prestígio junto aos produtores. Com o nome artístico de Sophie Straw, ela dá início, então, a uma bem-sucedida carreira que lhe fará conhecer as entranhas dos programas de tevê e da cultura popular inglesa no geral. Por quatro temporadas, ela e sua equipe são acompanhadas pela prosa fluente e divertida de Hornby, que apresenta ao leitor uma gama de personagens fascinantes que compensam plenamente a fragilidade do enredo.

Além de Sophie - uma garota descobrindo aos poucos como funcionam as engrenagens da indústria do entretenimento e da vida adulta em uma grande cidade, repleta de tentações e radicalmente diferente de sua rotina no interior - o autor de "Funny girl" tem vários outros trunfos para seduzir o leitor. Através de sua protagonista, Hornby cria uma teia de personagens que retratam de forma mordaz e acurada a sociedade britânica da década que pariu os Beatles, os Rolling Stones, "Hair" e a geração flower power. Há Clive Richardson, o parceiro de Sophie na série, que considera uma ofensa pessoal o fato de ver seu personagem como escada para sua colega novata e não aceita com facilidade que seus dias de galã estão prestes a acabar (e que se envolve em um romance complicado com a parceira de programa). Há Dennis, o produtor que, mesmo casado (e traído pela esposa com um arrogante intelectual que despreza qualquer tipo de atividade cultural que não seja a dele), não consegue resistir ao carisma de Sophie. E há a dupla de roteiristas do programa, gays que lidam de maneiras diferentes com sua sexualidade em uma época em que poderiam ser presos por isso: Tony prefere esconder-se em um casamento heterossexual e formar uma família nos moldes convencionais, enquanto Bill, mais ousado e ambicioso, opta por utilizar seu estilo de vida como inspiração para um salto maior na carreira literária e se torna um importante escritor "maldito".

A cada um desses personagens Nick Hornby dedica preciosas e delicadas páginas de sua obra, que flui como uma narrativa simples e desprovida de intelectualidades ou pretensões maiores do que divertir o leitor. Apesar da queda de seu ritmo nos últimos capítulos - em que dá um salto no tempo para visitar os protagonistas em idade avançada e tentando reconquistar o sucesso há muito esquecido - o romance tem muito mais qualidades do que defeitos, comprovando que o tempo em que o autor passou escrevendo roteiros (é dele também a adaptação de "Livre", que deu à Reese Witherspoon uma indicação ao Oscar de melhor atriz em 2015) não lhe tirou o talento de contar histórias nas páginas de um livro, para alívio dos fãs, saudosos de sua prosa elegante e perspicaz. Que o próximo não demore tanto!

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